O que é o Santuário dos Pajés?
O Santuário dos Pajés é uma área de uso tradicional indígena situada na antiga Fazenda do Bananal, ou Terra Indígena Bananal. O Santuário exerce uma série de funções: abriga índios de diversas etnias, principalmente os Tapuya-Fulni-ô; é um centro religioso e de culto de diversas tradições religiosas; além de ser um ponto de encontro para a população indígena nacional e internacional. Existem evidências arqueológicas que comprovam o exercício dessas funções há séculos.
Quem mora lá e desde quando?
Em 1957, no início do processo de construção de Brasília, estimava-se que mais de 80 etnias indígenas residiam e transitavam pela área original da Fazenda do Bananal, agora chamada de Santuário dos Pajés. Doze Fulni-ôs vieram para Brasília para trabalhar na construção da cidade e, ao chegar ao local, imediatamente começaram a erguer a casa de reza do Santuário, utilizá-la e a defendê-la.
Mas afinal, quantas pessoas moram lá atualmente?
Essa pergunta é impossível de ser respondida. Os Fulni-ô se consideram nomádicos, assim a população do Santuário está sempre em fluxo. Além disso, a função do local como refúgio indígena complica ainda mais esse cálculo. Os números mais aceitáveis são de que a população da área oscila entre 9 e 30 famílias. O laudo antropológico encomendado pela Funai e publicado em agosto de 2011 lista 37 indígenas como habitantes do Santuário, sendo mais da metade Fulni-ô.
Mas eu estive no Santuário e não vi nenhuma família.
Após o início do conflito em torno do Setor Noroeste, os Tapuya-Fulni-ô enviaram as mulheres e as crianças para Águas Belas, em Pernambuco, onde estão seguras sob a proteção de 8 mil guerreiros Tapuya-Fulni-ô.
Então os índios do Santuário são de Pernambuco?
Não. Em primeiro lugar, os Fulni-ôs se descrevem como nomádicos. Consideram aldeamento uma imposição colonial. Segundo, durante sua história, os Fulni-ôs já sofreram 8 remoções forçadas, a última durante a ditadura, quando 700 famílias foram enviadas para a fronteira pelo governo militar. Terceiro, o território do Santuário fazia parte da Confederação Tapuya antes da chegada de Cabral.
Tapuya? Quem são os Tapuya-Fulni-ô?
A palavra Tapuya tem diversos significados diferentes. Em Tupi, Tapuio significa “bárbaro”. Em algumas comunidades quilombolas no norte de Goiás e em Tocantins, Tapuio é um termo pejorativo e referente a seres ocultos/mitológicos. A palavra Tapuio tem uma grande difusão dentro do território brasileiro, aparecendo como nome de cidades, lojas etc.
Tapuya (Tah-Fuh-iai), em Yhaté (a linguagem dos Fulni-ô) significa “aqueles que gritam forte”. Os Tapuio não eram e não são uma etnia ou um povo. Os Tapuya eram um estado nomádico indígena pré-colonial que agrupava etnias de diversas crenças, linguagens, cultos etc. À medida que tribos se rendiam à colonização luso-brasileira, elas deixavam a confederação Tapuya. Em 1856, os cinco clãs remanescentes dos Tapuyas se unificaram nos Fulni-ôs, o que deu origem a auto-denominação dos Fulni-ôs como sendo “os últimos Tapuyas”. Os Fulni-ôs por sua vez são conhecidos pelo seu ritual anual Ouricuri, que dura três meses e que é proibido aos brancos e índios de outras etnias.
Então, qual é o problema?
Nos últimos anos, o projeto especulativo do Setor Noroeste vem atacando esse território sagrado sem levar em consideração a legislação que garante os direitos dos povos indígenas às terras de uso tradicional e religioso. Até 2009 e 2010, a terra era do Poder Público, que há décadas atrás comprou a antiga fazenda Bananal. Mesmo ciente da existência desse Santuário, o GDF, por meio da Terracap, realizou sob imensos protestos, leilão dessas terras para empreiteiras interessadas em construir o Setor Noroeste.
Mas então porque as empresas começaram o processo de desmatamento e construção agora?
O Ministério Público conseguiu uma liminar na Justiça que inviabilizava obras no local reivindicado pela comunidade indígena até que o processo de demarcação fosse concluído. Infelizmente esta liminar caiu no mês de Agosto.
Então os índios não têm o direito de permanecer na terra?
Não. O direito dos indígenas à terra nunca foi questionado. O que estava em pauta era se as empresas teriam o direito ou não de entrar na área.
Mas agora que a liminar caiu as empresas não tem o direito à terra?
Não. Comprar um título não é o mesmo que o direito de posse. Além disso, o artigo 231 da Constituição diz que todos os títulos dentro de território indígena são nulos. Se a terra é indígena, todas as questões fundiárias se tornam irrelevantes.
E qual é o território reivindicado pelos indígenas?
Aproximadamente 50 hectares.
E de onde veio esse número?
Ele é um perímetro traçado ao redor de diferentes pontos de relevância cultural, religiosa, uso tradicional etc.
Não é intransigente por parte da comunidade indígena demandar 50 hectares sem aceitar qualquer tipo de negociação?
Cinquenta anos atrás a comunidade do Santuário caçava, plantava e criava animais em uma terra cujo tamanho era superior a 1000 hectares. Esse território foi sendo reduzido por grilagem e pelo governo até chegar agora a 50 hectares. Para eles, a única posição intransigente tem sido a dos brancos, que nunca estão satisfeitos, e sempre querem mais de sua terra.
Mas porque os índios não vão para uma outra área?
A prática religiosa dos habitantes do Santuário necessita acesso ao cerrado e aos seus ancestrais. A falta de acesso ao local onde seus ancestrais estão enterrados e ao cerrado inviabiliza a prática de sua religião.
E se eles fossem compensados por isso?
Se uma empreiteira tentasse demolir o Domo da Pedra em Jerusalém para construir um bairro em cima das ruínas, os muçulmanos não aceitariam dinheiro em troca. Se uma construtora quisesse construir uma eco-vila onde o Vaticano está situado, os católicos não aceitariam dinheiro como compensação. Nem os Tapuya-Fulni-ôs aceitam dinheiro pela destruição do Santuário Sagrado dos Pajés.
Mas eu li no jornal que algus índios aceitaram deixar o Santuário.
Estes índios são os Kariri-Xocó. Eles moravam em pensões na W3, que eram conveniadas com a FUNAI. Quando a FUNAI deixou de pagar as pensões, eles foram acolhidos no Santuário em 2005. A reivindicação deles sempre foi de moradia, e não de uso tradicional, e é pleno direito deles pleitear isso ao governo.
Por falar disso, e a FUNAI?
O comportamento da FUNAI tem sido lastimável. Primeiro, ela deliberadamente segurou o laudo antropológico após ele ter sido entregue, atrasando seu envio à Justiça. Segundo, ela está criticando o próprio laudo antropológico, por ela mesma solicitado.
Mas a FUNAI não tem o direito de fazer isto?
Não. O STF determinou, no caso da Raposa Serra do Sol, que o que determina a tradicionalidade do uso da terra é a antropologia. O laudo antropológico afirma que a terra é de uso tradicional. Outros estudos feitos por antropólogos do Ministério Público também afirmaram que o Santuário era terra de uso tradicional. A FUNAI esta contrariando isto sem nenhum embasamento técnico/pratico. Pior: ela esta antecipando este posicionamento no governo e na mídia com o objetivo de influenciar a decisão judicial.
Decisão judicial?
Sim, o caso esta na justiça. A Juíza que esta no caso embargou as obras até o dia 27, quando haverá uma audiência.
Mas se tem esta decisão judicial, as coisas devem estar mais tranqüilas agora?
Não. As empresas violaram a decisão da Juíza no Sábado (dia 14 de Outubro) e na Segunda-Feira (dia 16 de Outubro).
E a polícia?
A polícia não fez nada.
Mas como assim???
Isso também é um mistério para nós. Também gostaríamos de saber porque a Policia Federal não deslocou um efetivo para garantir o cumprimento da ordem da Juíza. Pergunte para eles.
Então quem garantiu que as obras e o desmatamento não continuasse?
Nós, a comunidade indígena e sociedade civil que apóia a causa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário